
Como o sono do bebê se desenvolve: da gestação à infância, segundo a neurofisiologia.
Eu sei que talvez a chegada do seu filho tenha frustrado às suas expectativas quanto ao padrão de sono. Mas a verdade é que quando nasce um bebê, o sono maduro ainda não faz parte da biologia dele. Ele amadurece aos poucos, acompanhando o desenvolvimento do sistema nervoso central e equilíbrio hormonal.
Entender esse processo ajuda mães a reconhecerem o que é esperado, o que ainda vai mudar naturalmente, e o que pode exigir intervenção.
Antes do nascimento: padrões imaturos e instáveis
O sono já dá sinais no útero. A partir de 28 semanas de gestação, o feto alterna entre momentos de quietude e atividade, mas ainda sem os estágios organizados de sono.
Na prática:
Quando mães relatam que o bebê “parava” e depois “se mexia muito” na barriga, elas já estavam observando esses ciclos primitivos. Mas até o nascimento, o sono ainda não segue um padrão circadiano nem tem os estágios definidos de NREM e REM.
E tem algo interessante de se falar aqui. Por mais que o relógio biológico ainda não esteja ativo e trabalhando por si mesmo, o bebê recebe as pistas circadianas e hormonais da mãe. E por isso, é importante que na gestação tenhamos uma boa rotina.
0 a 3 meses: sono fragmentado, sem ritmo claro
Nos primeiros meses de vida, o bebê dorme cerca de 14 a 17 horas por dia, distribuídas de forma irregular. Não há diferença entre dia e noite, e o ciclo vigília-sono é regulado por necessidades alimentares e impulsos neurológicos de base. O sono REM (ativo, em que se tem sonhos verdadeiros) representa até 50% do total.
Na prática:
É normal que o bebê durma 30 minutos, acorde, mame, cochile de novo — e que isso se repita o dia inteiro. Não significa que algo esteja errado. É simplesmente o reflexo de um sistema nervoso em organização.
Exigir sonecas longas de um bebê, como recomendações infundadas de que o bebê precisa de duas horas de sono em cada período diurno, é exigir de um ser humano imaturo algo que talvez ele não precise e não seja capaz de fazê-lo.
3 a 6 meses: início da organização interna
Entre 3 e 6 meses, surgem padrões mais estáveis. O bebê começa a apresentar ciclos de sono com início em NREM e latência até o primeiro REM. Os fusos de sono e complexos K tornam-se visíveis no EEG, e o sono profundo (N3) pode ser identificado com mais clareza.
Na prática:
Mães geralmente percebem que “o bebê começou a dormir mais à noite” ou “parece ter um horário certo de sono agora”. É também quando as sonecas começam a ter mais regularidade. Isso se dá porque a arquitetura do sono está se tornando mais previsível.
A presença dos fusos de sono nos mostra que a partir de agora é possível ensinar INTENCIONALMENTE o bebê. E também, que a partir de agora ele já começou a fazer associações de sono.
6 a 12 meses: ciclos definidos e mais previsíveis
Nessa fase, os ciclos de sono se aproximam do padrão adulto. O sono N3 (profundo) se concentra na primeira metade da noite, e o REM na segunda. A maturidade do sistema nervoso permite que o bebê mantenha períodos mais longos de sono noturno – especialmente no início da noite.
Na prática:
Um bebê de 8 meses que dorme bem pode fazer blocos de 6 a 12 horas seguidas à noite, sem precisar mamar – mas isto não deve ser exigido de todos eles. Cochilos diurnos também se tornam mais consistentes. Quando esse padrão não aparece, muitas vezes é por associação de sono não resolvida — e não por incapacidade neurológica.
Nesta idade se torna indispensável Rotina Fisiológica, com regularidade de horários e previsibilidade.
1 a 5 anos: sono consolidado, mas ainda vulnerável
Entre 1 e 5 anos, o sono noturno se consolida em um único episódio. A maior parte das crianças deixa de cochilar no período diurno entre 3 e 5 anos. O N3 continua predominante nessa fase e atinge sua maior proporção, o que favorece crescimento e consolidação de memória. Este é o sono mais profundo, em que se libera gH (o hormônio de crescimento).
Na prática:
A criança dorme a noite inteira, mas despertares breves (como sentar na cama ou chamar os pais) ainda são fisiológicos. É também a fase em que surgem terrores noturnos e sonambulismo — fenômenos ligados ao sono profundo abundante.
Lembre-se: ocorre uma média de 10 despertares por hora de sono, e isto faz parte de um sono normal.
5 a 10 anos: estabilidade neurofisiológica
Durante a infância média, os estágios do sono estão plenamente definidos. Os ciclos duram em torno de 90 minutos (o que no início de vida eram 45 minutos) e ocorrem com alternância previsível. O sono REM representa cerca de 20-25% do total, como nos adultos.
Na prática:
Se a criança nessa faixa etária começa a acordar frequentemente, resistir ao sono ou apresentar sonolência excessiva, vale investigar fatores externos: rotina desorganizada, telas antes de dormir, ansiedade, e principalmente, os distúrbios respiratórios do sono (como apneia secundária à uma hipertrofia das amígdalas e adenoide). Do ponto de vista neurológico, o sono já está maduro.
Adolescência: maturação com deslocamento de fase
Durante a adolescência, ocorre uma redução gradual no N3 e uma tendência a atrasos no sono. O adolescente sente sono mais tarde e tem dificuldade de acordar cedo. Apesar disso, a necessidade biológica de sono permanece alta: em torno de 9 horas por noite.
Na prática:
Não é “preguiça” se um adolescente saudável quiser dormir até mais tarde. É o padrão fisiológico dele. Quando esse padrão é desrespeitado por causa de horários escolares, pode haver queda no desempenho, irritabilidade e dificuldades emocionais.
Pode parecer difícil para os pais tolerar esta “fase” em que parecem não querer saírem da cama. É importante motivar o adolescente a ter uma rotina de estudos no período da tarde, e evitar telas 2 horas antes das 23:00h.
Importante saber
O desenvolvimento do sono infantil é altamente previsível do ponto de vista fisiológico. Ele começa como um padrão desorganizado, vai se estruturando ao longo do primeiro ano de vida, estabiliza-se na infância média e passa por uma nova reorganização na adolescência.
Saber disso permite:
- Reconhecer padrões esperados em cada idade, evitando que a mãe se torne ansiosa frente às mudanças.
- Evitar interpretações equivocadas como “é manha”, “troca o dia pela noite”, ou ainda pior – “é salto de desenvolvimento”.
- E intervir apenas quando necessário, com base no que é fisiológico e esperado.
Sono é desenvolvimento.
E desenvolvimento é ciência, não expectativa social.
Conhecer aquilo que é esperado não apenas dá um norte, mas traz conforto e direcionamento para você, mãe. Para aprender mais conosco, basta clicar em nos três risquinhos do canto superior direito da página, e ir para o nosso site oficial.
2 comentários em “Como o sono do bebê se desenvolve: da gestação à infância, segundo a neurofisiologia.”
Eu consumo absolutamente tudo que tem a marca ST e sempre aprendo algo novo! É incrível como você torna fácil a ciência. ❤️
É maravilhoso acompanhar a tua família, Gabi!