Mas afinal, como funciona o sono do meu bebê? Entenda o que é verdade e o que é mito.
Café esfriando na mesa, olheiras fundas e um bebê que confunde noite com dia – cena familiar? Se você se encontra assim, saiba que não é a única. Eu prometo tentar traduzir a fisiologia do sono infantil em linguagem de mãe para mãe, com embasamento científico mas de forma leve, para entender por que seu bebê acorda tanto e o que é (muito) normal nessa jornada.
Algumas situações que você provavelmente vai reconhecer:
- Dia vira noite – noite vira dia: seu bebê tira longos cochilos durante o dia e quer festa às 3 da manhã?
- Despertares em série: ele acorda de 2 em 2 horas à noite, bem na hora em que você pensou que conseguiria finalmente dormir?
- Sonecas ninja: as sonecas diurnas duram 20 minutinhos – justo o tempo de você ensaiar um banho ou esquentar o café?
- O mito do “dormir a noite inteira”: você ouve a pergunta “ele já dorme a noite inteira?” e solta um suspiro frustrado porque a resposta é um redondo não?
Se assentiu a tudo isso, ou boa parte, respire fundo. Não há nada de errado com o seu bebê. A verdade é que a biologia do sono dos bebês é bem diferente da dos adultos – e por motivos bem óbvios, afinal de contas, quem é que nasce pronto? Vamos por partes.
Trocando o Dia pela Noite: O Relógio Biológico em Desenvolvimento
Nos primeiros dias e semanas de vida, os bebês não fazem ideia se é dia ou noite. O “relógio biológico” – aquele ciclo circadiano que nos ajuda a ficar alertas de dia e com sono à noite – ainda está em fase de calibração. Por isso, o recém-nascido dorme em qualquer horário, distribuindo o sono de forma mais ou menos equilibrada entre dia e noite. Ele pode dormir uma média de 16 a 18 horas no total por dia (o National Sleep Foundation recomenda 14 a 17 horas), mas picadinho: o trecho contínuo mais longo costuma ter apenas 2,5 a 4 horas. Ou seja, seu bebê dorme muito, porém em parcelas – e para ele tanto faz ser 3 da tarde ou 3 da manhã.
Essa confusão entre dia e noite é normal porque o ciclo circadiano do bebê só começa a emergir lá pelo segundo ou terceiro mês de vida. Até lá, a produção de hormônios ligados ao ritmo diário (como a melatonina e o cortisol) ainda é incipiente e os padrões de sono são irregulares. Conforme o bebê cresce, a exposição à luz do dia vai “ensinando” o reloginho interno dele a diferenciar claro/escuro – e é por isso que estou sempre falando pra você dar as pistas circadianas corretas.
Por volta de 2–3 meses de idade, você provavelmente notará que seu filho fica mais tempo acordado durante o dia e começa (aos poucos) a dormir períodos mais longos à noite. Mas calma: isso não significa que aos 3 meses ele passará magicamente a dormir a noite inteira – só quer dizer que o processo de consolidação do sono noturno está em andamento (bem lentamente, aliás).
Ciclos de Sono Express: Por que o Bebê Desperta Tanto
Além do relógio biológico desregulado no início, outro fator faz seu bebê acordar com frequência: os ciclos de sono ultrarrápidos que ele tem. Enquanto nós, adultos, temos ciclos de sono de ~90 minutos de duração, o bebê opera em ciclos bem mais curtos – em torno de 50 minutos apenas. Cada ciclo engloba fases de sono leve (sono REM, aquele dos sonhos) e sono profundo (sono não-REM). Ao completar um ciclo, fazemos uma transição para o próximo e, nessa hora, é normal termos despertares mais completos (que já acontecem durante todo o ciclo, INÚMERAS vezes, mas não tão completos). A diferença é que nós geralmente viramos para o lado e voltamos a dormir sem nem lembrar. Já o bebê… bem, muitas vezes ele precisa de ajuda para emendar outro ciclo.
Resultado: despertares frequentes durante a noite, a cada 1 hora e pouco, são parte do pacote “bebê novinho”.
Outro detalhe: o recém-nascido muitas vezes inicia o sono já na fase REM (ativa) – ao contrário de crianças maiores e adultos, que primeiro caem em sono profundo. Isso quer dizer que aquele soninho do bebê começa leve e agitado, com movimentos, resmungos, olhos mexendo sob as pálpebras. Só depois de alguns minutos ele mergulha em sono mais tranquilo. Some isso ao fato de que bebês passam muito mais tempo em sono REM do que nós (cerca de 50% do sono total do recém-nascido é REM, contra uns 20% no adulto) e você terá um sono naturalmente “barulhento” e fácil de interromper.
Traduzindo: seu bebê tem mais chances de dar aquela acordadinha ao fim de um ciclo porque boa parte do sono dele é leve. (Afinal, quem inventou a expressão “dormir como um bebê” claramente nunca viu de perto como dorme um bebê de verdade, não é? 🙃)
A Química do Sono: GABA, Melatonina e Orexina em Ação
Por trás de todo esse dorme-acorda, há um verdadeiro balé de substâncias no cérebro do seu bebê. Três das principais estrelas desse show químico do sono são o GABA, a melatonina e a orexina (além de outros, claro, mas vamos focar nestes, e se você é uma mãe cansada, eu sinto muito por trazer coisas tão técnicas).
- GABA – o freio calmante: Quando chega a hora de dormir, certas áreas do cérebro do bebê liberam GABA), um neurotransmissor bem bonzinho que atua como freio no sistema nervoso. O GABA é o principal neurotransmissor inibitório do nosso cérebro, ou seja, ele diminui o ritmo das neurônios e “desliga” os centros despertadores. Pense no GABA como a camomila neural: ele se liga a receptores nas células cerebrais e induz aquela sensação de sonolência, acalmando o bebê. Sem GABA, seria difícil pegar no sono – é por isso que muitos remédios sedativos imitam ou aumentam a ação desse neurotransmissor. Mas o bebê já tem seu estoque natural de GABA trabalhando todas as noites para ajudar a embalá-lo.
- Melatonina – a fada da escuridão: Sabe aquele soninho gostoso que dá quando escurece? Agradeça à melatonina. Esse hormônio, produzido pela glândula pineal no cérebro, é liberado quando não há luz (à noite) e funciona como sinalizador de que “é hora de dormir”.
No caso dos bebês, há dois poréns: primeiro, recém-nascidos praticamente não produzem melatonina nas primeiras semanas, porque o ritmo circadiano deles ainda não engrenou (lembra da confusão dia/noite?). Segundo, se o bebê mama leite materno, ele recebe uma ajudinha da mamãe: o leite produzido à noite contém melatonina, transmitindo um recado químico de sonolência para o bebê. Conforme o reloginho biológico dele vai amadurecendo (lá pelos 3-4 meses), a produção própria de melatonina entra em cena e começa a sincronizar os padrões de sono
Dica prática: manter um ambiente escuro e tranquilo à noite ajuda a melatonina fazer seu trabalho, enquanto exposição à luz de manhã ajuda a “ligar” o relógio biológico na hora certa.
- Orexina – o animador de festa: Do lado oposto, temos a orexina (também conhecida como hipocretina), que faz quase o papel de “cafezinho” interno. Ela é um neuropeptídeo estimulante, cujo efeito principal é nos manter alertas e acordados. Se o GABA é o freio, a orexina é o acelerador. E adivinha só: os níveis de orexina nos bebês atingem um pico por volta de 4 meses de idade. Sim, justo na época em que muitos bebês enfrentam aquela história lendária de “regressão do sono” dos 4 meses! Coincidência? Provavelmente não.
Pesquisas sugerem que essa alta da orexina faz parte do dramático processo de consolidação do sono e da vigília no início da vida. Em outras palavras, o cérebro do bebê está descobrindo como ficar mais tempo acordado de dia e dormir melhor à noite – mas nesse meio-tempo, ele pode parecer mais inquieto mesmo. Você talvez note que com 4 ou 5 meses seu filho fica super alerta querendo praticar suas novas habilidades (rolar, balbuciar) até de madrugada. A orexina pode ser uma das culpadas biológicas por trás desse despertar para o mundo. A boa notícia é que, após esse pico, os níveis de orexina se estabilizam em patamares mais baixos; o sistema de alerta “se acalma” e o bebê tende a voltar a padrões de sono mais previsíveis. Faz parte do desenvolvimento neurológico dele – não é que ele “desaprendeu” a dormir, tá bem?
Despertares Noturnos: Normal e Esperado
Com tudo isso, fica claro: bebês acordam à noite e isso é perfeitamente normal. Biologicamente falando, é até esperado que acordem – seja porque terminaram um ciclo de sono, seja por fome, frio, fralda molhada ou saudade do colo. Na verdade, seria mais estranho (e preocupante) um recém-nascido não acordar nunca. Os despertares frequentes servem até como proteção natural. Afinal, o sono não é um estado de coma, e ele precisa ser rapidamente reversível para garantir que o bebê acorde em situações de risco.
É claro que, conforme vão crescendo, os bebês vão gradualmente adquirindo a capacidade de manter-se dormindo – graças à maturação do relógio circadiano, à capacidade de concentrar a ingesta alimentar durante o dia, e à aquisição da habilidade de dormir de modo independente. Mas isso leva tempo e varia de criança para criança. Em geral, por volta de 6 meses de idade, muitos bebês já conseguem emendar cerca de 6-8 horas seguidas de sono noturno. E só lá perto de 9 meses é que grande parte dos bebês passa a ter a maior parte do sono concentrada à noite, fazendo apenas 2 sonecas durante o dia.
Ou seja, “dormir a noite inteira” antes de 9 meses de vida é exceção, não regra. Não há nada de errado se seu bebê ainda acorda uma vez para mamar até 9 ou 12 meses – é chato, é cansativo, mas é comum. Após este limite, é importante trabalhar para que não haja mais mamadas noturnas.
(Para não dizer que não falamos das exceções: sim, existem bebês que, abençoados sejam, dormem longos períodos desde cedo. Aquela vizinha que jura que o neném dela de 2 meses dorme 10 horas diretas pode até estar falando a verdade – mas esses bebês não são o padrão. Cada criança tem seu ritmo e comparações só trazem ansiedade. Foque no progresso do seu bebê e nas circunstâncias da sua família.)
Sono Também Se Ensina – com Previsibilidade e Afeto
Saber que despertares noturnos são normais traz alívio, mas não significa que estamos de mãos atadas. O sono também se aprende. Isso mesmo: assim como ensinamos o bebê a comer, brincar e se acalmar, podemos e DEVEMOS, ensiná-lo a dormir melhor. Aqui entram os conceitos de previsibilidade e sono independente. Uma rotina consistente e previsível (a tal rotina fisiológica, alinhada ao ritmo biológico do bebê) ajuda o bebê a entender quando é hora de dormir.
Repetição de horários e rituais (banho morno, massagem, lullaby…) funcionam como pistas para o corpinho dele ir aprendendo sobre horários. E tudo isso deve vir embalado em afeto e segurança: atender o choro, confortar, mas também dar espaço para que ele gradualmente desenvolva a habilidade de adormecer sem depender tanto de ajuda.
Não, não é da noite para o dia. Existem métodos gentis e eficazes de ensinar essa independência no sono, respeitando o tempo do bebê e os valores da família. Com paciência, alguma orientação e consistência, é possível sim evoluir de despertares caóticos para noites mais tranquilas. Lembre-se: dormir é uma habilidade em construção nos primeiros anos de vida.
Para continuar aprendendo sobre o sono infantil com embasamento científico, conheça o trabalho do Sleep Tight (sleeptight.com.br). Nosso objetivo é justamente ajudar mães e pais a atravessarem essa jornada do sono com mais previsibilidade, leveza e confiança. ♡
8 comentários em “Mas afinal, como funciona o sono do meu bebê? Entenda o que é verdade e o que é mito.”
Excelente!
Excelente
Obrigada, querida
Muito bom e esclarecedor. Gratidão Dra. Dúnnia🙏
Obrigada, querida 🤍
Saiu outro post hoje!
Que bom que você gostou, querida!
Legal super interessante
Que bom que você gostou. Conheceu o Sleep Tight onde?